Depois de conhecer melhor a De Vinis Illustribus – a loja, a cave subterrânea, as muitas histórias daquele lugar incrível –, era hora de beber. O proprietário, Lionel Michelin, conduziu a degustação fazendo com que a gente se sentisse, o tempo todo, muito à vontade. A nossa degustação previa um branco, dois tintos e acompanhamentos (queijos e frios) para harmonizar. Sabíamos apenas que cada vinho seria de uma região produtora diferente.
Primeiro, Lionel nos perguntou se tínhamos alguma predileção em se tratando de vinhos franceses. Dissemos gostar muito da Borgonha, onde já havíamos estado, e ele então na mesma hora trocou o branco com o qual começaríamos os trabalhos. Não sabemos o que estava previsto antes, mas ele trouxe, depois de revelada a nossa preferência, um Meursalt. Não há palavras para descrever como era bom, ao menos para nós, leigos, mas apaixonados por vinhos.
Tratava-se do “Les Petits Charrons”, safra 2014, do produtor Domaine Millot. Para acompanhar, queijo Comté, um dos mais populares da França e mais consumidos pelos franceses no dia a dia (e um dos que nós mais gostamos). A harmonização desse queijo com um bom vinho branco da Borgonha é, aliás, um clássico. Sem palavras.
Em seguida, mudamos de região. Monsier Michelin abriu o tinto “Château Jean Faure”: um grand cru (classificação de alta qualidade), safra 2009, de uma das áreas produtoras mais prestigiosas de Bordeaux, Saint-Emilion. Um vinho encorpado, denso, delicioso, e que pedia um acompanhamento, digamos, mais robusto. Para tanto, fomos servidos de “goose rillettes” – um preparado de carne de ganso moída e cozida na gordura que tem cara de patê – e, ainda, salames orgânicos (foto abaixo).
A comida foi um capítulo à parte. A cada produto que ia trazendo para a mesa, Madame Michelin ia nos explicando, com indisfarçável orgulho, a história de cada produtor, onde ela havia comprado cada um deles, a origem orgânica etc. Nada estava ali por acaso. Tudo havia sido pensado e escolhido para aquela degustação. E o que ela falava sobre os acompanhamentos a gente conseguia sentir a cada mordida – o frescor, a sutileza dos sabores, a crocância perfeita do pão.
Passamos então ao terceiro vinho, este da região do Rhône. O “Domaine La Barroche” (2013) é um Châteauneuf du Pape, famosa denominação de origem do sul do Rhône que produz alguns dos vinhos mais célebres do mundo. A combinação aqui foi feita com foie gras e uma terrine de cogumelos (além daquele pão incrível, é claro).
A conversa sobre vinhos, regiões francesas, comida “típica” e harmonizações fluía sem pressa. Lionel ia repondo cada um dos vinhos nas nossas taças – e na dele também. Não tinha “miserê”.
Uma surpresa para não esquecer – Ainda degustávamos o terceiro vinho quando, conversando sobre o foie gras, comentamos com Lionel que tínhamos aprendido, na teoria, que a “harmonização perfeita” para essa iguaria era o Sauternes. Trata-se de um aclamado vinho de sobremesa da região de mesmo nome que fica no sul de Bordeaux (é um vinho de guarda que pode durar por mais de 100 anos e que, portanto, não costuma ser nada barato).
Lionel, então, disse discordar dessa harmonização. Explicou que, para ele, os dois – foie gras e Sauternes – são muito fortes e “brigam” quando se encontram no paladar. Na sua opinião, a grande harmonização do Sauternes é com blue cheese, um queijo de mofo azul e sabor intenso (parecido com o roquefort).
Ele então nos perguntou:
– Vocês não acham?
Quando respondemos que nunca tínhamos provado um Sauternes – nem blue cheese – e que não podíamos opinar, ele sorriu e imediatamente perguntou à mulher se ainda havia o queijo na casa. Levantou-se e, quando voltou, trazia uma garrafa, fechada, do “Château Haut Bergeron”, um Sauternes de 2003…
Nossos queixos quase caíram quando, ainda por cima, Madame veio com o queijo. E o que aconteceu com os nossos sentidos é difícil de explicar até hoje. Foi uma cominação perfeita e um aprendizado na prática, na hora, da melhor forma que sequer poderíamos ter imaginado.
Depois de três horas e meia de histórias, emoções, grande bebida e comida, agradecemos o mais que pudemos àquele casal tão especial e tão entusiasmado com o que faz. Ainda ganhamos o cardápio personalizado da nossa degustação e, praticamente levitando, deixamos a loja de fachada vermelha naquela antiga e quase mágica ladeira do Quartier Latin.
4 Comentários
Que experiência fantástica ! Um grande amigo me recomendou esse lugar e vou conhecer agora em novembro. Segundo esse amigo posso encontrar alguns grandes vinhos com ótimos preços, confere ? A título de curiosidade, sei que isso é impagável, mas quanto custou essa experiência impar ? Grande Abraço
Oi, Fernando! Foi algo fantástico, sim!! Olha, você tem que entrar em contato com eles por email pra conversar a marcar. Eles personalizam a experiência de acordo com o que você pode e quer fazer. Se não me engano, pedimos algo que pudesse ficar em torno de 50 euros por pessoa (pra você ter uma ideia, há degustações em paris que saem no mínimo 150, 200 euros por pessoa…). Então, valeu MUITO a pena.
Um grande abraço e depois nos conta o que achou. Nós queremos voltar lá assim que pudermos, talvez ainda neste ano.
Tudo bem, Eduardo? Ficamos muito curiosos com essa sua experiência e gostaríamos de saber se essa conversa tão agradável foi em francês ou se o casal Michelin também fala inglês?
Obrigado!
Oi, Marcelo, desculpa a demora em responder, mas estivemos uns dias sem poder ver o site: eles falam em inglês, sim!
Se for lá, por favor, diga que ficou sabendo pelo nosso blog, se puder, ok?
Abraço e depois nos conta o que achou!