À primeira vista, o imóvel de número 48 da rue de la Montagne-Sainte-Geneviève, em Paris, parece ser apenas o que de fato é: uma loja de vinhos. Mas entrar na De Vinis Illustribus (“Vinhos Famosos”, em tradução livre) é quase como voltar no tempo. Localizada no Quartier Latin, num prédio do século XVII a meio caminho entre a catedral de Notre Dame e o Pantheon, tem desde os anos 1930 uma longa história com o vinho e seus admiradores.
A loja como a conhecemos hoje, lindamente reformada e com sua escada de pedra – visível da rua – que leva às adegas onde repousam 7 mil garradas, está ali desde 2004. Mas herdou e mantém a atmosfera de quando era comandada pelo célebre sommelier e vendedor Jean-Baptiste Besse, que por mais de 50 anos recebeu amantes do vinho do mundo todo. O proprietário atual, Lionel Michelin, é um grande anfitrião que sabe, como poucos, manter acesa a chama de um lugar mítico como aquele.
Tudo é encantador na De Vinis: a inacreditável cave do subsolo, com fundações de datam de 1636, onde algumas degustações são realizadas (foto abaixo); seu estoque, no qual se encontram vinhos de safras com 100 anos de idade – de 1915 (como o “Clos Des Jacobins Grand Cru Saint Emilion”, um Bordeaux de 470 euros) a 2015 (exemplo: o “Vaisse”, da região francesa do Languedoc, 30 euros); e até o fato de a loja ficar naquela mesma ladeira onde Gil Pender, o protagonista da obra-prima “Meia Noite em Paris”, de Woody Allen, espera o carro mágico que o leva para a Paris dos anos 20 do século passado…
Além dos vinhos que bebemos, foi toda essa atmosfera que nos emocionou em muitos momentos durante as três horas e meia em que ficamos por lá. Havíamos agendado por e-mail uma degustação (sobre a qual falamos no post seguinte) e fomos recebidos muito carinhosamente por monsier e madame Michelin.
Eles cuidam com esmero de cada detalhe e haviam comprado os produtos mais frescos, orgânicos, para acompanhar a degustação. Ela nos explicou até a procedência dos frios, pães e patês e ele nos deixou tão à vontade que, quando soube da nossa paixão pela Borgonha, tratou de substituir o primeiro vinho branco que serviria por um Meursault simplesmente maravilhoso.
Passado e presente – Tudo começou nos anos 80. Lionel, um ex-executivo do setor de telecomunicações, conta que estudava Direito e dava meio expediente numa transportadora quando “descobriu” os históricos armazéns de vinhos de Bercy, em Paris. Ficou fascinado com o que viu e ali nasceu a sua paixão, entrando em seguida para um clube de degustação.
Foi aí que passou a conhecer (e a provar) vinhos de todos os tipos, incluindo os muito antigos (sua especialidade). São ícones, em sua maioria caríssimos, como Mouton 1945, Yquem 1921, Margaux 1900, Latour 1870 e Chambertin 1811, entre muitos outros. Não parou mais.
De lá para cá, transformou-se num grande conhecedor e negociante de vinhos. Em 94, comprou a loja, fisicamente detonada, de um antigo proprietário com as cerca de 24 mil garrafas que estavam “jogadas” no subsolo (fotos que ele orgulhosamente nos mostrou e que reproduzimos abaixo).
Há 20 anos, Lionel roda a França garimpando vinhos, inclusive alguns raros e de safras bastante antigas. Em suas andanças, ele chegou a comprar, até de viúvas, adegas inteiras de seus falecidos maridos. Hoje, tem como clientes desde sommeliers de restaurantes estrelados a gente comum, passando por famosos e novos ricos em geral, de diversas partes do mundo, que gastam fortunas numa ida à loja ou comprando à distância.
Lionel Michelin é um desses personagens incríveis que parecem saídos de um filme. Com a diferença de que não apenas é real como nos deixa conhecer melhor o seu mundo e o seu ofício. Cada um dos tipos de degustação que oferece é uma viagem diferente: mesmo escolhida e agendada pelo site, ela pode mudar e trazer surpresas inacreditáveis e até inéditas a partir de um simples comentário, como aconteceu com a gente (não perca o post seguinte). Coisa de cinema. Pena que a nossa aconteceu bem antes da meia noite…
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